Arqueólogos retomam escavações em sambaquis de várzea na Amazônia

Equipe multidisciplinar de cientistas da Ufopa pretende mapear e estudar os sítios de concheiros fluviais construídos há pelo menos 8 mil anos pelos primeiros ocupantes humanos das várzeas e rios amazônicos
As escavações arqueológicas de sambaquis ocorrerão às margens do rio Amazonas. Foto: Bárbara Pereira

O projeto “Janelas Abertas para a Biodiversidade do Baixo Amazonas” (Jabba), formado por um grupo de cientistas da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), cuja maioria é de mulheres, retomou no mês de novembro, as escavações dos sambaquis de várzea, após um hiato de quatro décadas de ausência de investigações sobre esses sítios amazônicos. O projeto, financiado pelo Instituto Serrapilheira, também conta com a participação de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A primeira expedição do grupo de pesquisa iniciou as escavações no sambaqui da Ponta do Jauari, entre os municípios de Curuá e Alenquer, na região oeste do estado do Pará. O projeto tem previsão de três anos de duração e, nesse período ocorrerão diversas escavações em um perímetro de 500 quilômetros de várzeas no Baixo Amazonas, que vão do município de Terra Santa até Porto de Moz. É nesta área que está a Reserva Extrativista Verde Para Sempre, se estendendo às margens do rio Amazonas.

Além de mapear e documentar os sambaquis existentes nesses 500 km do rio Amazonas, a proposta do projeto Jabba é investigar como os sambaquis do passado contribuem para a conservação ambiental no presente amazônico. “O grande volume de vestígios de moluscos, peixes e quelônios, que compõem a estrutura do sambaqui, chama a atenção, bem como ossos de peixe-boi, indicando a abundante presença dessa espécie, na região, durante a época em que o sítio foi habitado e construído”, explica a coordenadora Gabriela Prestes Carneiro.

A arqueóloga revela que nesse mesmo local também foram encontradas em superfície diversas lâminas de machado – ferramenta feita de rocha polida – e cachimbos de cerâmica decorados, que são “semelhantes a exemplares coletados em sambaquis na década de 1940 pelo frei Protásio Frikel”.

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Arqueólogas fazem a medição para desenho dos perfil nas unidades de escavação. Foto: Bárbara Pereira

O que são sambaquis

Os sambaquis são sítios arqueológicos formados por camadas de terra e conchas, coletadas por sociedades humanas para muitas finalidades, que guardam informações sobre o passado pré-histórico da Amazônia e são preservados devido ao carbonato de cálcio presentes na composição desse material.

“A última escavação realizada em um sambaqui fluvial, na região do Baixo Amazonas, foi feita por uma equipe coordenada pela arqueóloga estadunidense Anna Roosevelt, na década de 1980, na fazenda Taperinha, próxima à cidade de Santarém”, lembra a arqueóloga Gabriela Carneiro. 

De lá para cá, apesar de conhecidos por moradores da região de várzea e pela comunidade acadêmica a partir de artigos científicos, os sambaquis do Baixo Amazonas não mais foram escavados e estudados com rigor científico.

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Interior de uma unidade de escavação em sambaqui de várzea na Amazônia. Foto: Bárbara Pereira

Evidências para o futuro

De acordo com a pesquisadora, as evidências encontradas durante o projeto nos ajudarão a conhecer um pouco da história dos povos sambaquieiros que habitaram a várzea amazônica, suas técnicas e manejo dos recursos aquáticos. Será possível, por exemplo, observar o ecossistema desses ambientes buscando entender com ele pode ser monitorado, conservado e utilizado hoje em dia, assim como nossos antepassados fizeram durante muitos anos.

“A conservação ambiental e a consciência da importância da várzea para o futuro das pessoas e do planeta são um dever de todos. Por isso, é estimulado um trabalho coletivo e integrador com as comunidades ribeirinhas do oeste do Pará, que convivem com esses sítios arqueológicos e, consequentemente, com a paisagem e seus recursos”, esclareceu Gabriela Carneiro.

Fragmento de vasilhame em cerâmica com decoração incisa, encontrado nas escavações do sambaqui da Ponta do Jauari. Foto: Bárbara Pereira

Multidisciplinaridade

Também é objetivo do projeto promover um diálogo maior entre os cursos de graduação e laboratórios da Ufopa. Por esse motivo, uma parceria está sendo construída com o curso de licenciatura em Biologia, do Instituto de Ciências da Educação (Iced), e nessa primeira etapa de campo estavam presentes alunos da disciplina de Herpetologia, ministrada pelo professor Alfredo Santos Júnior.

Os alunos e bolsistas da graduação e pós-graduação estão aproveitando as etapas de campo de escavação para a criação de coleções biológicas de referência de espécimes modernos e também coleções osteológicas de animais como anfíbios e répteis.

Para os pesquisadores, essas coleções são importantes pois elas permitem conhecer a biodiversidade através do registro material e as especificidades de répteis e anfíbios presentes em ambientes de várzea. A partir dos materiais depositados nas coleções é possível extrair diversas informações, dentre elas aspectos sobre a anatomia, ecologia, história natural, de como vivem e quais adaptações esses animais precisam para sobreviver nos ambientes de várzea.

Esse é o caso da pesquisa que está sendo desenvolvida pela doutoranda Ana Maria de Sousa Coelho, do programa de pós-graduação BioNorte (PPG-BioNorte/Ufopa), que estuda uma espécie de serpente amazônica. Além disso, os esqueletos modernos também são ferramentas para ajudar a identificar as espécies de animais que antes estavam sendo usadas nos sambaquis.

Equipe de cientistas que participaram da primeira etapa de campo. Foto: Bárbara Pereira

Financiamento

O projeto conta com apoio financeiro do Instituto Serrapilheira, instituição privada de fomento à pesquisa científica no Brasil, sem fins lucrativos. “Vale ressaltar que o projeto de pesquisa foi o único da região Norte no ano de 2021 selecionado para receber o financiamento e terá duração de três anos”, comemora Gabriela Carneiro.

Com informações de Comunicação Ufopa e Instituto Serrapilheira

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