Governo Bolsonaro ignorou 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami

Funai, Exército, Polícia Federal e Ministério Público Federal receberam dezenas de relatos de ataques de garimpeiros e pedidos de reforço na segurança
Tragédia Yanomami
Tragédia Yanomami é responsabilidade direta do governo Bolsonaro que ignorou pedidos de ajuda. Foto: Urihi/Divulgação
Carol Castro | The Intercept Brasil

“Muitos maquinários, eles têm internet, muitas lanchonetes, combustível, e muitas armas de fogo”. Era novembro de 2020, e as lideranças Yanomami já denunciavam a invasão em massa dos garimpeiros em suas terras, no noroeste de Roraima. Preocupados, pediam apoio à Hutukara Associação Yanomami para enviar ofícios de alerta ao Ministério Público Federal, à Funai e ao Exército. Os documentos, obtidos pelo Intercept, mostram uma sequência aterrorizante de ataques e pedidos de ajuda – quase todos sucedidos por novos ataques e mais denúncias de avanço do garimpo.

A Hutukara, entidade criada pelos próprios indígenas para fortalecê-los, enviou 21 ofícios aos órgãos públicos, ao longo de dois anos, sobre os “conflitos sangrentos que no limite podem atingir a proporção de genocídio” dos Yanomami. Ela publicou ainda três notas públicas sobre um ataque contra uma Estação Ecológica do ICMBio, a morte de duas crianças por uma draga de garimpo, e a situação da aldeia de Aracaçá.

Os relatos vêm de muito antes da comoção nas redes sociais com a denúncia do suposto estupro de uma adolescente, do assassinato de uma criança e do sumiço dos moradores da comunidade de Aracaçá. Segundo a associação, o garimpo ilegal cresceu 46% em 2021, atingindo mais de 3 mil hectares de terras indígenas. A estimativa é que 20 mil garimpeiros ilegais ocupem atualmente esses territórios.

Nesses documentos, as lideranças comentam as atrocidades que enfrentam quase diariamente. Garimpeiros passam pelos rios ameaçando e atirando contra os Yanomami. Duas crianças morreram puxadas por uma draga da mineração. Povos isolados foram atacados por garimpeiros. Postos de saúde fecharam, por conta dos intensos conflitos, e as pistas de pouso viraram área de transporte de ouro e garimpeiros ilegais. Sem os médicos e com a proximidade dos garimpeiros, a malária cresceu entre os Yanomami.

Os relatos vêm de muito antes da comoção nas redes sociais com a denúncia do suposto estupro de uma adolescente, do assassinato de uma criança e do sumiço dos moradores da comunidade de Aracaçá. Segundo a associação, o garimpo ilegal cresceu 46% em 2021, atingindo mais de 3 mil hectares de terras indígenas. A estimativa é que 20 mil garimpeiros ilegais ocupem atualmente esses territórios.

Nesses documentos, as lideranças comentam as atrocidades que enfrentam quase diariamente. Garimpeiros passam pelos rios ameaçando e atirando contra os Yanomami. Duas crianças morreram puxadas por uma draga da mineração. Povos isolados foram atacados por garimpeiros. Postos de saúde fecharam, por conta dos intensos conflitos, e as pistas de pouso viraram área de transporte de ouro e garimpeiros ilegais. Sem os médicos e com a proximidade dos garimpeiros, a malária cresceu entre os Yanomami.

A maior reserva indígena do país

Mais 9 mil hectares abrangem a Terra Indígena dos Yanomami. E brilha aos olhos dos garimpeiros a extração de ouro e a cassiterita, usada para fazer estanho. Ainda que a legislação proíba a mineração em terras indígenas, o presidente Jair Bolsonaro sempre deixou evidente o desejo de liberar a mineração em áreas de preservação.

Em novembro de 2020, enquanto os indígenas denunciavam a invasão dos garimpeiros, Bolsonaro questionava as demarcações. “A reserva Yanomami tem mais ou menos 10 mil índios. O tamanho é duas vezes o estado do Rio de Janeiro. Justifica isso? Lá é uma das terras com o subsolo mais rico do mundo. Ninguém vai demarcar terra com subsolo pobre. Agora o que o mundo vê na Amazônia, floresta? Está de olho no que está debaixo da terra”, afirmou naquela época.

Como não poderia ser diferente, o presidente colocou à frente da Funai um personagem semelhante: Marcelo Xavier. Após a repercussão dos conflitos entre Yanomami e garimpeiros, Xavier defendeu a legalização da mineração como solução para os problemas. E afirmou que “os garimpeiros são tão vítimas quanto os Yanomami“. 

Não parece à toa que os pedidos emergenciais da Hutukara para instalação de postos avançados do Exército e apoio logístico para manutenção da segurança local tenham sido ignorados pelo governo. A Polícia Federal realizou duas grandes operações nos últimos dois anos na Terra Indígena Yanomami – as operações Yanomami e a Haraquiri. Nessa última, o foco era a destruição de pistas de pouso. No entanto, em março deste ano, a associação voltou a denunciar que outra pista – a do Homoxi –, antes usada para atendimento à saúde dos indígenas, estava sob controle dos garimpeiros. Uma terceira incursão aconteceu em julho, quando agentes da Polícia Federal, Ibama e Força Nacional destruíram maquinários usados para extração do ouro. Pouco adiantou. Os garimpeiros voltaram assim que eles foram embora.

O destino dos indígenas do Aracaçá segue desconhecido – e talvez seja melhor assim, pela segurança da comunidade. Mas a polícia afirmou, durante coletiva de imprensa, que as histórias do estupro da adolescente e morte da criança não se confirmaram. A suspeita dos ambientalistas é que os indígenas se calaram por medo de retaliações – outro ato comum dos garimpeiros contra os indígenas quando perdem com as denúncias e incursões policiais, como apontam os documentos.

Reportagem originalmente publicada em The Intercept Brasil

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