Cientistas contestam processo de seleção de novo diretor do Museu Goeldi

Para pesquisadores da instituição, MCTI falhou ao não compartilhar os nomes da lista tríplice e ao decidir uma nomeação que caberia ao novo Governo Federal

Na última semana, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) publicou, por meio do Diário Oficial, a nomeação do arquiteto Antonio Carlos Lobo Soares como novo diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, algo que foi recebido com surpresa pela própria comunidade científica da instituição, que aponta falta de transparência no processo de seleção da nova diretoria.

“Essa nomeação é grave, porque ela foi feita de uma forma claramente intempestiva, no meio do processo eleitoral. Inclusive, de forma diferente de outras unidades do MCTI, como o IBICT [Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia], que está com processo aberto desde março, se não me engano, e até hoje não foi nomeado ninguém”, explica Márcio Meira, coordenador do programa de pós-graduação em diversidade sociocultural do Museu.

Para Meira, que já foi presidente  da Fundação Nacional do Índio (Funai) de 2007 a 2012 e assessor especial do Ministério da Educação entre 2012 e 2016, os erros nesse processo de nomeação começaram a partir do momento em que ele foi conduzido durante o período eleitoral, quando o País reflete sobre sua próxima gestão governamental e, por isso, deve-se adiar nomeações ou exonerações de cargos públicos.

“Se fôssemos seguir uma etiqueta que já é uma etiqueta tradicional da política brasileira desde a redemocratização do País, depois de feita a eleição e eleito o novo presidente, ocorre a criação de um processo de transição governamental e esse processo estanca medidas que estão sendo tomadas, como nomeações de cargos, porque o correto do ponto de vista ético é que o novo Ministro da Ciência e Tecnologia faça a escolha de quem vai ser o novo diretor do museu, não é? E não só no caso do museu, mas isso vale para qualquer outra função e instituição”, complementa.

Participação da comunidade científica e da sociedade foi desconsiderada

A cada seleção de uma nova diretoria do Museu Emílio Goeldi é aplicada uma metodologia chamada de comitê de busca. Os editais são abertos publicamente e divulgados pelo próprio MCTI, e qualquer pessoa que tenha a titulação de doutorado pode se inscrever.

Após a inscrição, um comitê de pesquisadores formado pelo Ministério vai analisar os planos e os currículos inscritos, definindo uma ordem das pessoas conforme a sua melhor habilidade para a função em que está se candidatando. Assim, é montada a chamada lista tríplice que, como seu nome sugere, tem os três nomes melhores avaliados. Essa lista é encaminhada ao ministro da Ciência e Tecnologia, que é o responsável pela decisão final. Ele não é obrigado a seguir a lista, mas entende-se que é o caminho mais consensual para a nomeação.

Oficialmente, o edital de seleção para a nova diretoria do Emílio Goeldi foi aberto no dia 1º de agosto de 2022 e a divulgação das candidaturas homologadas no mês seguinte. Ao todo, cinco cientistas se inscreveram ao cargo. O edital especifica um calendário de prazos e ações realizadas até o dia 06 de outubro de 2022, data final para os candidatos apresentarem oralmente as propostas que defendiam para a gestão ao Museu ao Comitê de Busca. Segundo o documento, o restante do cronograma, ou seja, os demais processos até a nomeação do diretor, seriam divulgados apenas aos envolvidos por e-mail.

Para os pesquisadores entrevistados pelo Jornal da Ciência, esse processo de seleção é inadequado pela falta de transparência e por desconsiderar a opinião do próprio Museu. “Há  uma questão de legitimidade interna, porque o Comitê de Busca veio aqui a Belém e, no processo de consulta à comunidade, que é um dos elementos que compõem o processo de escolha [da diretoria], foi feita uma eleição dentro da instituição e o nomeado ficou em 4º lugar, ou seja, ele não tem legitimidade interna no Museu”, diz Meira.

Coordenadora do programa de pós-graduação de biodiversidade e evolução do Emílio Goeldi, Marlucia Martins também ressalta a diminuição da participação popular e a falta de clareza dos processos por parte do MCTI:

“Até um tempo atrás, o comitê tinha um membro interno, uma pessoa do Museu que era votada pela instituição e fazia parte também do comitê de busca. Um membro interno ajuda no equilíbrio, vamos dizer assim, das considerações com relação não só ao perfil do diretor ou diretora, mas também na adequação desse perfil à comunidade, à cultura interna. Porém o comitê desse ano foi formado somente por membros externos, não houve a figura do membro interno. E, também, não houve algo que é de praxe, que é a divulgação da lista tríplice – essa lista não é de conhecimento público”, ressalta.

Rafael Revadam – Originalmente publicada no Jornal da Ciência/SBPC

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