Relatório aponta os caminhos da política ambiental e da Amazônia no governo Lula

O relatório do gabinete de transição da presidência da República lança luz sobre o desmonte do Estado brasileiro e das políticas públicas durante os quatro anos do governo Bolsonaro e é o ponto de partida para um novo ciclo
casas de ribeirinhos na Amazônia
Documento traz uma fotografia contundente da situação dos órgãos ambientais e do desmonte das políticas públicas com destaque para a Amazônia. Foto: Edvaldo Pereira / Amazônia em Foto

Leia aqui, na íntegra, a seção do Relatório de Transição produzido pela equipe do novo governo, que trata do diagnóstico atual e aponta os caminhos para as políticas públicas voltada para a sustentabilidade socioambiental e climática no país, com interferência direta nas ações voltadas para a Amazônia.

Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática

Meio Ambiente

“Nos últimos quatro anos, as instituições federais de conservação ambiental e uso sustentável de recursos ecológicos passaram por um processo inédito de intimidação. O objetivo foi claro: geração de riqueza monetária para poucos em prejuízo do direito constitucional de todos ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.

O governo Bolsonaro promoveu um desmantelamento deliberado e ilegal das políticas públicas, marcos regulatórios, espaços de controle e participação social, e órgãos e instituições públicas ligadas à preservação das florestas, da biodiversidade, do patrimônio genético e da agenda climática e ambiental.

Como consequência, as taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado atingiram picos nunca vistos há 15 anos. Houve aumento de 60% do desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro, a maior alta percentual que já ocorreu em um mandato presidencial, desde o início das medições por satélite, em 1988.

Houve também graves danos à população e prejuízos de reputação do setor produtivo nacional, ocasionando a imposição de barreiras aos produtos brasileiros no comércio internacional, a restrição de acesso a crédito, a perda de credibilidade do Brasil perante o resto do mundo, além do comprometimento da soberania nacional em relação à Amazônia. As comunidades e povos tradicionais foram perseguidos ou esquecidos, em total desconhecimento acerca de sua importância para a proteção da biodiversidade brasileira e a atração de financiamentos e doações internacionais com foco em sustentabilidade ambiental e social.

O desmonte das políticas ambientais está expresso na escassez de recursos para o setor, na falta de pessoal e de gestão competente da área. Dos R$ 4,6 trilhões de despesas previstas no orçamento de 2022, menos de R$ 3 bilhões foram utilizados para políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de instituições vinculadas à pasta.

Não obstante, o Fundo Amazônia conta hoje com mais de R$ 3,3 bilhões paralisados, conforme alerta do STF e de relatórios da sociedade civil.

O quadro de servidores do IBAMA, ICMBio, SFB e MMA encontra-se com 2.103 cargos existentes vagos. Enquanto o IBAMA tinha 1.800 servidores atuando na fiscalização ambiental em 2008, agora são apenas cerca de 700, nem todos em campo. Houve efetivo aparelhamento e ocupação de cargos gerenciais e de direção sem capacidade técnica e política de atuação na área de proteção e gestão ambiental. São contundentes os casos de perseguição e assédio aos servidores dos órgãos.

Apenas 0,4% do Cadastro Ambiental Rural foi validado, o que compromete a implementação do Código Florestal. Além disso, o CAR não registra informações essenciais sobre a situação ambiental das propriedades, conforme alertado pelo TCU. Para completar, o sistema de lavratura de autos eletrônicos foi desmontado e os processos tramitando em papel. Vale destacar também as medidas deliberadas para aumentar a impunidade para criminosos ambientais.

O desmonte das políticas ambientais foi reforçado com o esvaziamento da agenda ambiental por meio da transferência de estruturas e órgãos vinculados ao MMA a outros ministérios e pela desestruturação da governança colegiada e aguda restrição à participação social.

A criação de Unidades de Conservação foi paralisada no nível federal. Como se não bastasse, os anúncios do governo de retificação, cancelamento e mudança de categoria das UCs já existentes incentivaram a invasão e a destruição de muitas delas. O desmatamento incentivado pelo Governo se traduz em redução significativa da rica biodiversidade, bem como na queda dos níveis de captura de carbono nas contas do inventário nacional de gases de efeito estufa.

O Brasil perdeu seu protagonismo na agenda internacional sobre clima, florestas, biodiversidade, povos indígenas e populações tradicionais, água, Amazônia, oceano, energia limpa e descarbonização das cadeias produtivas. Precisamos voltar a ocupar assento privilegiado e credibilidade na discussão global sobre as questões socioambientais.

Agora, o grande desafio é reverter o cenário deixado pelo governo Bolsonaro. A transição para a economia de baixo carbono é entendida como uma vantagem competitiva para o País, que tem condições de gerar negócios, produtos e serviços com menores emissões de carbono, além de oferecer soluções para as necessidades de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Nosso desafio é o da reconstrução do desmonte das instituições e o reencontro do País com seu futuro como potência ambiental.” (págs. 40 e 41)

Ministério da Justiça também dedicará atenção para a Amazônia:

“As organizações criminosas tiveram um grande crescimento, particularmente na região Amazônica e nas áreas de fronteira, com a explosão de crimes como a extração ilegal de madeira e o garimpo ilegal. Dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe, indicaram mais de 10 mil km² de floresta derrubada somente em 2022. O mandato de Bolsonaro terminará com um inaceitável aumento de 59,5% da taxa de desmatamento na Amazônia em relação aos 4 anos anteriores.” (págs, 46 e 47)

Leia mais em: Ministério da Justiça terá estrutura para mediar conflitos na Amazônia

Revogações e revisões na área de Meio Ambiente

“A proposta é de revogação de atos normativos de extrema gravidade, que geraram uma situação descrita como “estado de coisas inconstitucional” em julgamento do Supremo Tribunal Federal, conforme o voto da Relatora Ministra Cármen Lúcia na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 760 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 54.

O Pacote Verde, analisado pelo STF, é formado por sete processos judiciais em que são analisados atos do governo Bolsonaro que levaram à atuação estatal deficiente, à desestruturação da legislação ambiental brasileira, ao enfraquecimento da fiscalização e do combate a crimes ambientais e crimes relacionados aos povos indígenas, à desproteção do meio ambiente como um todo e, em especial, do bioma da Amazônia. Nas manifestações dos Ministros constantes das decisões já proferidas, a constatação é de que há um quadro estrutural de ofensa massiva, sistemática e generalizada dos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e à vida digna.

Nesse contexto, sugere-se uma série de revogações de atos normativos relacionados ao desmonte das políticas públicas ambientais, conforme objetivos destacados a seguir:

A) Controlar o desmatamento

Proposta de revogação dos Decretos que abriram espaço para um processo acelerado de desmatamento ilegal nos diversos biomas brasileiros, inclusive desmanchando o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM). O PPCDAM foi historicamente um dos principais instrumentos capazes de controlar desmatamento, contribuindo para redução de emissão de gás. (Decreto nº 10.142/2019, Decreto nº 10.239/2019 e Decreto nº 10.845/2021).

B) Acabar com a impunidade quanto às multas ambientais

Proposta de revogação de Decretos que anularam multas ambientais, paralisaram o sistema de fiscalização ambiental e criaram um ambiente de perseguição aos fiscais. A perda é de mais de R$ 18 bilhões para os cofres públicos, conforme questionamento feito pelo STF na ADPF 775. A proposta é de revogação integral do Decreto nº 9.760/2019 e de parte do Decreto nº 10.086/2022.

C) Reverter a autorização para o garimpo ilegal na Amazônia

Proposta de revogação total do Decreto nº 10.966/2022, que liberou o garimpo ilegal na Amazônia a partir de uma regulamentação indevida do que foi chamado de “garimpo artesanal”.

D) Retomar o Fundo Amazônia

Proposta de revogação parcial dos Decretos nº 10.223/2020 e nº 10.144/2019, nos pontos em que inviabilizaram a governança do Fundo Amazônia, instrumento de extrema relevância para o controle do desmatamento e o fomento a atividades produtivas sustentáveis no bioma. Com isso, há mais de R$ 3 bilhões parados no Fundo, que agora poderão ser utilizados. A urgência disso decorre inclusive de decisão recente do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 59.

Por fim, quanto à estruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), sugere-se que o Presidente da República edite um despacho em que orienta o Ministério do Meio Ambiente a proceder imediatamente à revisão do teor do Decreto nº 11.018/2022, para eliminar os retrocessos realizados na estrutura e no funcionamento do Conselho. A medida é essencial para o cumprimento de decisão do STF na ADPF 623, devendo ser elaborada uma nova regulamentação, a partir de amplo diálogo com a sociedade.” (pág. 58)

Leia o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental Brasil do Futuro na íntegra aqui.

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